sexta-feira, 13 de março de 2015

À quem quis e teve a coragem de permanecer

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Na estrada incerta da vida pessoas vêm e vão. Uns passam, outros ficam. Sim, somos caminho. Somos passos. Também passamos. Também ficamos. Dos que entram e saem todos os dias, só ficam mesmo os que reconhecem a nossa estrada como um lugar seguro. Como um lugar de base firme, onde os pés não afundam em superficialidades e os joelhos não dobram por conta do esforço utilizado para se evitar um tombo; onde as dores não são inteiras e irreversíveis, mas apenas uma consequência inevitável do percurso. Só ficam, aqueles que reconhecem a estrada como um lugar onde a certeza transita livre, sem render-se ao medo e transformar-se em seu contrário: a dúvida. Só ficam, os que reconhecem a estrada como um lugar onde existe um espaço amplo, para guardar um coração cansado, persistente, e que seja um abrigo-aconchego para os dias de chuva. Só ficam mesmo os corajosos expedicionários de alma, que percorrem sem medo os becos mais escuros e perigosos do outro. Os que desejam, por vontade ou vocação, desbravar os caminhos ocultos da alma de quem ali mora e se esconde. Só ficam, os que querem chegar ao lugar além-do-lugar-comum, onde o acesso é limitado e quase impenetrável para qualquer-um no mundo. Só ficam, os que querem chegar aonde se guarda um dos maiores tesouros de uma vida: a nossa verdade oculta. Aquela verdade essencial, que reduz incertezas pelo conteúdo que traduz. Aquela verdade que acende estrelas, que ilumina dois quarteirões de vida e vai além de um sorriso que encanta. E que ao ser revelada, aumenta o espaço de quem mora dentro do coração do outro, transformando-o em um depósito de alegrias infinitas. Porque a verdade da vida se esconde. E a nossa também.

Então, fica fácil compreender, depois de alguns passos, travessias e caminhos percorridos, que aqueles que apenas passeiam e partem do mesmo jeito silencioso que chegaram, não devem mesmo ficar. E não devem porque talvez não saibam ou não consigam ficar atrelados a uma única história. Acabam alternando entradas e saídas, como se fossem vento, como se fossem ondas. Entram, bagunçam tudo, e depois vão embora sem crise de consciência. E quem abre a porta para ver o vento passar; quem mantém suas raízes fincadas no tempo e nas estações, tem que dar conta de arrumar a bagunça depois. Sim, os que apenas passam e não olham nos olhos de quem fica, não sabem ficar porque voam livres e inconstantes, sem o desejo íntimo de permanecer. Quando são impelidos a ficar, quase morrem em vida, de tanto tédio. E deixam sempre no entre das suas tantas coisas, uma dúvida; um senão; um detalhe que machuca, dói e devasta. Quando ficam, com a sua força, arrastam os nossos caminhos também.

Por isso, hoje, sobre os que passam, eu pouco sei. E não importa o quanto. Passaram. Quero mesmo é saber mais sobre os que ficam e se importam. Sobre os que moram em mim. Com eles eu me importo. E muito. Porque depois de tanto passar, eu fiquei até me afogar nos meus próprios sonhos. Sonhei até não caber mais em sonho algum dentro de mim, e voltei. Mas voltei, não em alguma metade de um caminho qualquer. Voltei inteira, em todos aqueles que ficaram. E fiquei, não no deserto, mas no lugar onde a estrada é livre, o horizonte amplo e o sorriso o melhor abrigo-aconchego para os meus dias de chuva.

Erica Gaião...

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