segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Tem que continuar

 

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A gente tem que continuar mesmo depois que o arroz queima, a água seca, o vinho entorna. A gente continua depois de descobrir que os defeitos pioram com a idade e as qualidades viram hábito no dia a dia. A gente tem que continuar depois do luto, da partida, da despedida. das horas frias, do caminho incerto. A gente continua e aprende a cantar "apesar de você, amanhã há de ser outro dia..." para o amor que não deu certo, para as falhas recorrentes. para nós mesmos que nem sempre somos aqueles que gostaríamos de ser. Apesar de nós mesmos, de nossas fissuras e desencantos, a gente tem que continuar...

E aprendemos que ter que continuar é muito mais que traçar um caminho que justifique nossa esperança por dias melhores. É saber deixar pra trás com sabedoria, entendendo que a vida é constituída de muitas histórias, e que finalizar um capítulo não significa dar fim ao que somos.

O mundo da gente começa a morrer antes da gente, e aceitar nossa responsabilidade em deixar o mundo se modificar, se despedir ou se transformar requer coragem. Coragem de romper com modelos antigos do que fomos e assumir com maturidade novas versões _ muitas vezes melhores _ de nós mesmos.

De vez em quando nos habituamos a antigos nós. Preferimos a dificuldade do que é conhecido à facilidade de novos e perfeitos voos. Desdenhamos a felicidade como quem se empenha em ser infeliz e construímos muros a nos proteger da vida que chega trazendo ares de esperança e novidade. Preferimos nos refugiar no que é conhecido, e nem sempre melhor.

Talvez precisemos aprender a aceitar as novas realidades que inevitavelmente ocorrerão.

Haverá a mãe que terá que se adaptar ao fim da licença maternidade, a adolescente que verá seu namoro ruir, a senhorinha que vai enviuvar, os pais que levarão seu menino ao aeroporto para fazer intercâmbio, a menina que verá o fim da infância num teste de gravidez, a decepção do jovem, o casamento da moça dos sonhos, o ninho vazio, as novas dores da maturidade, o recomeço, a renegociação com a vida.

Talvez seja isso. Aprender a renegociar com a vida, descobrindo que novas portas estão sendo abertas, mesmo que haja a tendência de nos fixarmos em cadeados fechados. O mundo da gente começa a morrer antes da gente, mas o futuro também guarda boas surpresas, e o que se pode chamar de "nosso mundo" não existe só no passado, mas na realidade que construímos diariamente e somente nós podemos lapidar.

A gente tem que continuar.

Que 2015 traga o reconhecimento de nossos presentes, dádivas reais que permanecem além da morte de nosso mundo ou de um tempo. O que ninguém nos tira: a capacidade de nos recriarmos em qualquer tempo. A alegria de nos percebermos resistindo, apesar de tudo. A satisfação de percebermos nossa coragem. E finalmente, a paz de nos aceitarmos por inteiro.


(FABÍOLA SIMÕES)

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